Bitcoin, Tulipas e Bolhas Especulativas

Durante praticamente todo o século XVII (aos esquecidos, esse período foi de 1601 até 1700), a Holanda teve uma das economias mais prósperas do mundo, com o maior valor de renda per capita entre todos os países desenvolvidos da época. Foi no começo daquele século que também se criaram na Holanda os primeiros mercados futuros formais, que permitiam a investidores negociar contratos com a opção de comprar ou vender algum ativo por um certo valor e em uma certa data futura.

Curiosamente, um dos ativos mais negociados inicialmente nesses contratos eram flores. Mais especificamente, tulipas. Por volta de 1634, o mercado de contratos futuros de tulipas começou a se aquecer muito. Durante os 3 anos seguintes, os valores das tulipas continuaram subindo desenfreadamente, até chegar em 1637, quando uma única tulipa chegou a valer 10 vezes a renda anual de um artesão. Apenas meses depois desse pico, o preço teve um colapso e o mercado de tulipas praticamente deixou de existir do dia para a noite, deixando muitos “investidores” quebrados no processo.

A mania das tulipas, como o período ficou conhecido, é considerada a primeira bolha especulativa da história moderna. Uma bolha especulativa é um fenômeno econômico e social no qual os preços de um certo ativo sobem rapidamente e vão a níveis muito acima do que os fundamentos que ancoram o valor desse ativo justificariam.

Diversas causas podem contribuir para a criação desse fenômeno, incluindo projeções muito otimistas, como ocorrido na bolha dos .com no ano 2000, e distorções no sistema financeiro e de crédito, como ocorreu na bolha imobiliária que estourou entre 2007 e 2009, nos Estados Unidos.

A Bolha do Momento

Ao se pensar em bolhas, porém, é provável que o que venha à cabeça da maioria das pessoas hoje em dia não seja nem tulipas, nem ações de empresas de Internet nos anos 2000, nem imóveis. Para a maioria das pessoas, o termo “bolha especulativa” provavelmente irá trazer à mente o Bitcoin e demais criptomoedas.

O Bitcoin foi lançado em 2009, pelo por um indivíduo (ou um grupo) sob o pseudônimo Satoshi Nakamoto, e é inegável que as suas rápidas valorizações do Bitcoin, quase sempre seguidas por drásticas correções no preço do ativo, desenharam um padrão de ativo especulativo. Por exemplo:

  • Em 2011, o preço do Bitcoin passou de $2, em uma alta histórica, para $32. Em junho do mesmo ano, porém, a maior corretora da época foi hackeada e, em apenas um dia, a moeda perdeu cerca de 99% do seu valor.
  • Em 2013, o preço do ativo chegou a bater $260 quando, mais uma vez por problemas relacionados à corretora Mt.Gox, o preço despencou 83% para cerca de $50.
  • Em 2017, um dos maiores bull markets para o Bitcoin e criptomoedas, o ativo atingiu a marca histórica de quase $20 mil dólares. Em dezembro desse mesmo ano, porém, os humores mudaram e colocaram o mercado de criptomoedas em um bear market. Entre dezembro de 2017 e dezembro de 2018, o Bitcoin perdeu cerca de 85% do seu valor.

Foram listadas acima apenas as quedas mais drásticas. Existiram muitas outras em que o Bitcoin perdeu 40%, 50% ou até 60% de seu valor, em questão de semanas ou até mesmo dias.

Esses ciclos de grandes altas e grandes correções, acompanhados quase sempre por manchetes sensacionalistas nos meios de comunicação, acabaram deixando a sensação e percepção, em boa parte das pessoas, de que o Bitcoin se trata apenas disso: um ativo especulativo, cujo único propósito e função é se comprar com a esperança de se vender mais caro no futuro, para algum trouxa que ficará com a batata quente na mão quando o preço colapsar de vez. O próprio Warren Buffett, talvez o maior investidor de todos os tempos, já deu declarações afirmando acreditar que o Bitcoin não passa de uma miragem, pois, segundo ele, não pode ser utilizado como meio de troca nem serve como reserva de valor.

Seria mesmo este o caso?

Na minha opinião, a realidade não poderia estar mais distante dessa percepção de muitas pessoas e das afirmações de Warren Buffett. Como falei, é inegável que o preço do Bitcoin e demais criptomoedas diversas vezes apresentou comportamento de ativos especulativos. Mas isso, por si só, não é suficiente para determinar que se trata de um ativo puramente especulativo e sem valor. Imóveis já passaram por muitos ciclos especulativos em vários mercados ao redor do mundo, mas nem por isso podemos questionar o valor desse ativo. Do mesmo modo, ações de empresas como Amazon e Google também já tiveram altas especulativas, por exemplo na bolha dos .com, e mesmo assim são empresas que criaram um enorme valor para muitas pessoas ao redor do mundo.

Para muitos, o Bitcoin e a tecnologia por trás das criptomoedas podem ser uma revolução tecnológica tão grande quanto foi a própria Internet e a web. Não acredita? Abaixo listarei alguns fatos para defender essa afirmação:

1. Desde que entrou no ar, em 2009, a rede Bitcoin nunca foi hackeada.

Este é um feito tecnológico enorme. Por algumas décadas, cientistas da computação e criptógrafos já vinham tentando criar uma forma de dinheiro digital descentralizado, mas ninguém havia conseguido, esbarrando quase sempre no problema do gasto duplo (ou seja, de como evitar que uma pessoa usasse a mesma moeda duas vezes, o que não é trivial de se fazer no mundo digital onde bits são facilmente replicáveis). Satoshi Nakamoto foi o primeiro a conseguir tal feito, e o fato de que a rede nunca foi violada em quase 14 anos de funcionamento indica que a solução encontrada parece ser, de fato, robusta. Você com certeza ouviu falar de corretoras hackeadas, de pessoas que perderam seus Bitcoins em algum ataque e afins, mas, nesses casos, não foi a rede do Bitcoin que foi hackeada, mas houve alguma falha de segurança, por parte da corretora ou da pessoa que detinha os Bitcoins, que permitiu o ataque.

2. Para muitos tipos de transação, a rede Bitcoin oferece taxas e tempos melhores que o sistema financeiro tradicional.

É possível, por exemplo, enviar 1 bilhão de dólares em Bitcoin para qualquer lugar do mundo em questão de 60 minutos, pagando uma taxa de cerca de $1.50 (taxa média, no momento em que escrevo este artigo). Se você fosse usar um banco tradicional para fazer a mesma transferência, pagaria uma taxa muito maior. Se fosse usar serviços como Western Union e similares, maior ainda! Isso sem contar toda a burocracia envolvida nos meios tradicionais.

3. O Bitcoin já vem funcionando como reserva de valor.

Apesar da volatilidade que a moeda ainda tem no curto e médio prazo, se analisarmos o longo prazo, o que, neste caso, eu chamaria de 5 anos ou mais, podemos ver que o Bitcoin vem se valorizando em relação a quase todas as moedas fiat ao redor do mundo e, também, em relação a outros ativos financeiros. Essa função fica particularmente clara, se analisarmos a valorização do Bitcoin em relação a moedas fiat que passaram por desvalorização mais acentuada, muitas vezes resultantes de políticas monetárias estabanadas de seus governos. Por exemplo, conforme a imagem abaixo mostra, a Lira turca perdeu cerca de 92% de seu valor em relação ao Bitcoin nos últimos 5 anos.

Outro exemplo é o peso argentino. Conforme a imagem abaixo, gerada no próprio Google, , a moeda perdeu cerca de 95% de seu valor em relação ao Bitcoin nos últimos 5 anos.

Não é por acaso que, em quase todos os países que começam a apresentar instabilidade econômica e perda do poder de compra da moeda, a população começa a comprar mais Bitcoin para tentar proteger seu patrimônio.

4. Por ser descentralizada, a rede Bitcoin não pode ser censurada ou bloqueada por qualquer empresa, instituição ou governo.

Isso quer dizer que, caso você mantenha a sua chave privada de modo seguro, os seus fundos em Bitcoin não correm risco de serem confiscados, bloqueados etc. Isso pode parecer uma vantagem e segurança pequena no dia a dia, mas quando elas se fazem necessárias já é tarde demais. Muitos não se lembram, mas, no Brasil, passamos por algo parecido em 1990, com o plano Collor, quando o dinheiro da população que estava na poupança, em fundos de renda fixa e em contas correntes foi bloqueado pelo governo, na tentativa de reduzir a inflação galopante que vinha atingindo o país. E não pense que isso ocorre apenas em países de terceiro mundo ou em desenvolvimento. No começo de 2022, o governo do Canadá congelou centenas de contas bancárias de caminhoneiros ligados aos/participantes dos protestos que vinham acontecendo no país.

5. Com o Ethereum e outras blockchains, não apenas temos moedas descentralizadas, mas também um computador global descentralizado.

Isso torna possível a criação de contratos inteligentes, em que o código é público e acessível a qualquer pessoa ou empresa ao redor do mundo, e, ainda mais importante, cuja execução não pode ser bloqueada ou limitada por nenhuma pessoa, empresa ou governo ao redor do mundo. Ou seja, com essa nova tecnologia, conseguimos criar programas de computador que são transparentes, acessíveis, e que não podem ser censurados por outras empresas ou governos.

Os cinco pontos acima já são um bom indício de que o Bitcoin e as tecnologias que dão suporte às criptomoedas e blockchains de fato estão criando valor para pessoas e empresas ao redor do mundo. Além disso, é muito provável que a maior parte da inovação e do valor que será criado ainda está por vir, principalmente se pensarmos em tudo que poderá ser construído com os contratos inteligentes.

Tempo ao tempo

Mesmo tecnologias revolucionárias têm um tempo de amadurecimento. Basta pensar que a Internet surgiu em 1969, quando os dois primeiros computadores foram conectados nos Estados Unidos, mas, de fato, começou a se popularizar somente em 1991, com o surgimento do protocolo HTTP e da Web (que é o conteúdo acessado por meio de sites e navegadores). O Google, talvez a empresa mais icônica da Internet e que mais criou valor para o mundo inteiro, foi criado apenas em 1998, 31 anos depois da criação da Internet.

Se pensarmos que o Bitcoin foi lançado há apenas 13 anos, é provável que ainda tenha muita coisa interessante por vir. Levando tudo isso em conta, eu tomaria cuidado antes de colocar o Bitcoin e as tulipas na mesma cesta de flores!

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